Por: Ana Fernanda Souza, Coordenadora Acadêmica do Fórum e Coordenadora de Diversidade do Fashion Revolution
Tinha gente cansada de viajar muitas horas até São Paulo – e que, naquele mesmo dia, já faria o bate e volta para a sua cidade. Tinha os abraços dos amigos que só se reencontram uma vez por ano e também a surpresa de quem só se conhecia via tela de computador. Teve música, artes plásticas, boas ideias e a expectativa de ganhar um prêmio – tudo isso tendo como cenário o icônico MASP.
Esse foi o retrato da da 6ª edição do Fórum Fashion Revolution, que aconteceu no último dia 22 e mobilizou centenas de pessoas, entre estudantes de moda, professores, pesquisadores, escritores, artistas, ativistas da moda e empreendedores ávidos por conquistar recursos para investir em suas boas ideias. Do meu ponto de vista super-privilegiado, o palco, juro que dava pra ver também uma plateia de olhos brilhantes com tudo o que estava acontecendo. Sim, eu tive a sorte de ser a mestre de cerimônias desse evento e agora vou contar a vocês o que vi e senti por lá.
Por que um Fórum? Porque acreditamos firmemente que a mudança que queremos promover na moda não vai acontecer se não abrirmos espaços para novas ideias. O Fórum Fashion Revolution é um chamado para todos que lutam por um sistema de moda regenerativo, restaurador e revolucionário – seja quem constrói ações com essa pauta, ou quem busca saber mais sobre o assunto. Pessoas do Brasil inteiro reservam um dia do seu ano para vir a São Paulo prestigiar as iniciativas presentes no Fórum, articulado pelo Fashion Revolution Brasil.
Mas quem estava no MASP naquela sexta talvez não tenha tido a dimensão de que o evento começou meses antes: no início de 2024, quando lançamos o edital para a Escola de Moda Decolonial (EMD), que na sua segunda edição inscreveu quase mil pessoas. Para garantir o certificado da Escola, os participantes precisavam submeter um trabalho no Fórum – embora o Fórum não fosse exclusivo aos alunos da EMD, cada participante que subia ao palco e se apresentava como egresso da Escola era, para nós, motivo de grande alegria, orgulho mesmo, com a sensação de que o ciclo se fechava: depois de passar por uma formação, compartilhar o que aprendeu.
Os melhores trabalhos foram convidados a se apresentar durante o evento e tiveram a oportunidade de concorrer ao Prêmio Fórum Fashion Revolution Penambucanas. Foto: Nathu Sousa
Atribuímos à Escola o aumento na submissão de trabalhos que tematizam as questões raciais – o que é muito importante pra nós, em especial em um ano em que o Fórum aconteceu na Semana da Consciência Negra; no primeiro ano em que o Dia da Consciência Negra foi um feriado nacional; no ano em que Igualdade Étnico-Racial se torna oficialmente um Objetivo do Desenvolvimento Sustentável. A revolução na moda será racializada, ou não será. E isso não tem relação com identitarismo, isso é um aspecto muito material de quem traz, no próprio corpo, as cicatrizes profundas da colonização e da escravização.
Como se não bastasse todo o frio na barriga que dá realizar um evento tão grande e de tanta responsabilidade, esse ano, tivemos uma novidade de peso: o lançamento do Prêmio Fórum Fashion Revolution Pernambucanas. Foram premiados trabalhos em todas as categorias – Ensaio Teórico, Ilustração e Ensaio Prático – e em todos os temas: Raça e Gênero, Clima e Tecnologia. Os vencedores da categoria Ensaio Prático recebiam um recurso um pouco maior – R$ 10 mil cada – para investir no seu projeto, com a mentoria das Pernambucanas, patrocinadora do Projeto.
O Fórum é uma plataforma pioneira em discutir decolonialidade e ancestralidade na moda brasileira, e promove parcerias com quem está transformando essa indústria no país. Foto: Nathu Sousa
No turno da manhã, escutamos apresentações de dez autoras e autores dos Ensaios Teóricos – o que representa uma fração, uma vez que o Livro Digital do Fórum, já disponível para download, tem cerca de 50 ensaios publicados. Começamos com a apresentação de trabalhos no eixo temático Raça e Gênero, com a fala de Luciene Hidaka (SP), que nos lembrou que o pessoal é político ao falar sobre a mistura entre público e privado no ofício de costureira em seu ensaio – ela mesma, uma mulher-mãe que estava ali como pesquisadora mas que teve se ausentar na hora de levar o filho pra escola. Eu, que também estava ali com meu filho, não pude deixar de me identificar. A moda que queremos construir é grande o suficiente para caber todas as mães e seus filhos.
Seguimos com a experiência de Afroperifa, com Will da Afro (SP); Jordana Reis (RS) nos recordou o porquê de amarmos a moda e o quanto ela pode ser potente quando se propõe a passar uma mensagem transformadora. Sabrina Keitty (PE) nos falou um pouco sobre as condições precárias das trabalhadoras da moda, num diálogo com a pergunta “Quem fez minhas roupas?”, mote do Fashion Revolution; e Maruaia Castro (BA) nos lembrou o tanto que a moda pode ser usada para discriminar, ao descrever como os uniformes das trabalhadoras domésticas são usados como ferramenta de discriminação.
Apresentação artística com Araru Ara Poty. Foto: Nathu Sousa
A manhã continuou com apresentação de ensaios no tema Clima. Em sua apresentação, Melina Nunes (SP) nos contou o quão coloniais são as iniciativas de enfrentamento à crise climática, principalmente quando parte do Norte Global. Fernanda Cavalheiro (CE) apresentou os desafios e as oportunidades no uso da fibra de cânhamo na moda e Fernanda Putini (PR) reflete sobre a intersecção entre moda, decolonialidade, sustentabilidade e antropoceno. Os últimos trabalhos apresentados no turno da manhã foram no tema Tecnologia: Luciana de Souza (SP) e Sarah Ribeiro (MA) nos falaram de outro lugar da tecnologia: os saberes ancestrais.
No turno da tarde, aconteceram as apresentações dos trabalhos da categoria Ensaios Práticos: as finalistas Isabella Vasconcellos, Ludmila Rioga e Angélica Oliveira, Mariana Freire e Ana Paula Alves; Fabíola Rosa e Débora Clérici; Roberta Kremer; Verônica Kobus; Andreyna Silva; Maria Eloisa Conceição; Renan Vital e Natalie Prado apresentaram seus projetos para a banca avaliadora, composta por Fernanda Simon, nossa Diretora Executiva; Paloma Gervasio Botelho, Consultora de Estilo Pessoal, Idealizadora de Projetos Afrocentrados de Moda e Delegada Suplente do Setorial de Moda do Estado de São Paulo; Livia Souza, Gestora de Sustentabilidade da Pernambucanas; Isaac Silva, estilista; e Jonas Lessa, CEO da Retalhar.
Ana Paula Xongani ministrou uma palestra sobre Moda e Ancestralidade. Foto: Nathu Sousa
Enquanto todo mundo segurava a ansiedade de saber quais foram os escolhidos da banca, ficamos com a apresentação musical de Araju Ara Poty – que nos lembrou que, antes de ser a maior cidade do Brasil e uma metrópole global, São Paulo é terra indígena. Tivemos também a sorte de escutar Ana Paula Xongani em sua palestra “Moda e Ancestralidade” – que pode parecer duas palavras difíceis de escutar juntas, já que a moda está sempre olhando para o novo e a ancestralidade parece nos remeter ao passado. Mas, como Ana Paula nos ensinou: uma árvore forte terá raízes profundas. Uma moda que se conhece e que representa a beleza de seu povo não pode prescindir de olhar para o passado como forma de se conhecer e se empoderar.
Premiados do FFR, equipe Fashion Revolution Brasil e banca avaliadora. Foto: Nathu Sousa
Ah, vocês querem saber do Prêmio, né? No final da tarde, foram contemplados com o primeiro lugar na categoria Ensaio Prático Maria Eloisa de Jesus Conceição (Tecnologia); Ludmila Rioga e Angélica de Oliveira (Raça e Gênero) e Roberta Kremer (Clima) – você encontra os ensaios no Livro Digital do Fórum. Os certificados foram entregues por Carol Barreto, Isa Silva e Paloma Botelho. Os demais finalistas também foram chamados ao palco para receber a homenagem e a celebração seguiu até tarde, no foyer do auditório, com autógrafos e mostra das ilustrações – que também estão no Livro Digital!
Texto escrito por Ana Fernanda Souza, Coordenadora Acadêmica do Fórum e Coordenadora de Diversidade do Fashion Revolution
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A equipe do Fashion Revolution Brasil gostaria de agradecer à patrocinadora do Fórum, Pernambucanas, cujo apoio tornou possível a realização deste projeto que impacta positivamente tantas pessoas!
Agradecemos aos apoiadores institucionais, IED São Paulo, Ewa Poranga, Moda Unisinos, Instituto Brasileiro de Moda e Senac.
Estendemos nossos agradecimentos aos professores dos Comitês Científico e Avaliador do Fórum FRR pela avaliação impecável dos trabalhos, aos participantes pelos projetos incríveis submetidos e apresentados e a toda equipe do Fashion Revolution.
Por último, mas não menos importante, agradecemos à banca avaliadora do Prêmio Fórum Fashion Revolution Pernambucanas pela colaboração na avaliação dos trabalhos vencedores. Obrigada, Isa Isaac Silva, Jonas Lessa, Paloma Gervasio Botelho, Fernanda Simon e Livia Lopes.